Ética e Liderança Cristã: É TRAMBIQUE!...

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

É TRAMBIQUE!...

É TRAMBIQUE!...
Pr. Walter Santos Baptista

"Acautelai-vos, que ninguém vos engane..." (Mt 24.4)

Quando ainda seminarista, conheci o falecido Rev. José Lins de Albuquerque, pastor de uma igreja batista na cidade do Moreno, em Pernambuco. Conversávamos sobre certos espertalhões que aparecem nas igrejas evangélicas com cara de piedade, olhos de santidade e lábios de mentira. O experimentado obreiro disse-me que se o sabido viesse pela manhã, ele o convidava para o almoço; se viesse à noite, para jantar depois do culto. No jantar, ele o desmascarava.

Certa ocasião, um desses enganadores foi convidado pelo Pr. Lins de Albuquerque para uma refeição. À mesa, pediu-lhe que orasse. O homem gaguejou: "Deus... Deus... Deus..."; "Deus... Deus... Deus..." Todos olharam para ele. Meio sem graça, disse o finório: "Desculpem... Não é que eu esqueci o diabo da reza!..."

CASO 1: "DIABO LOURO"

Aconteceu no fim dos anos 70. Eu era pastor da Igreja Batista da Concórdia, no Recife. Num domingo pela manhã, apresenta-se à porta do Gabinete Pastoral um homem de meia idade, forte, cabelos grisalhos, vestindo terno com gravata. Pergunta se sou o pastor e pede licença para entrar.

Sentou-se, e me disse: "O senhor não me conhece, mas eu sou o ex-Diabo Louro. Antes fui um criminoso, hoje sou salvo pelo sangue de Jesus, sou caminhoneiro e pregador da Palavra. Mostrou-me inúmeras fotos tiradas em igrejas de diversas denominações (Assembléia de Deus, igrejas batistas, Casa da Bênção, etc).

"Fizeram comigo o que eu costumava fazer com os outros antigamente: roubaram-me tudo. Cheguei ontem com uma carga para ser entregue à transportadora, mas estava fechada porque era à tarde. Resultado: não entreguei a carga, não recebi meu dinheiro, e desde ontem que não me alimento. Quero pedir ao irmão que me empreste algum dinheiro para poder almoçar e jantar hoje, e tomar o café da manhã. Entrego a carga amanhã cedo na empresa, e venho trazer o dinheiro".

Pastorzinho novo, com o coração tocado, procurei o tesoureiro, pedi-lhe algum dinheiro (como 50 reais de hoje), e passei-o para o "irmão".

Passou a semana, o domingo seguinte, e a outra semana também. No seminário, os colegas conversavam sobre esse mesmo cidadão que teria estado na Igreja Batista da Rua Imperial, na de Afogados, do Zumbi, e outras tantas. Em algumas, o pastor até fizera uma coleta durante o culto, repassando-a ao espertalhão.

Depois de dois meses, ocorreu-me um caso perfeito de dèja vu. "Num domingo pela manhã, apresenta-se à porta do Gabinete Pastoral um homem de meia idade, forte, cabelos grisalhos, vestindo terno com gravata. Pergunta se sou o pastor e pede licença para entrar".

- "O senhor é o pastor? Posso entrar? O senhor não me conhece..."
- "Conheço, sim, o senhor não é o ex-Diabo Louro? Veio trazer o dinheiro que pediu emprestado?"

Ele havia esquecido que estivera lá anteriormente. Ficou sem jeito, mas não perdeu a esportiva:

- "Não, mas trarei esta semana..."
- "Não precisa trazer mais! Não vou ficar mais rico se trouxer ou mais pobre se não trouxer... Mas não volte mais aqui, nem vá às igrejas porque os pastores se comunicam, e todos já sabem acerca do senhor"

Sem se dar por vencido, arrematou: "Pastor,o senhor não quer que eu dê um testemunho no culto?"

CASO 2: O EXECUTIVO DE MISSÕES

Esse me aconteceu em Salvador, na Igreja Batista Sião, onde sou pastor. Foi por volta de 1994 ou 95. Numa sexta-feira, à tarde, minha secretária me telefona dizendo que um missionário havia me procurado na igreja, afirmando ser irmão de alguém que fora meu colega no seminário onde fiz mestrado nos Estados Unidos. Deixara o telefone do hotel onde estava hospedado no Porto da Barra (em Salvador). Não lembrei de qualquer colega que tivesse o mesmo sobrenome desse missionário.

No dia seguinte (sábado), pela manhã, recebi um telefonema em casa: era o "missionário". Pediu-me que fosse ao seu encontro no hotel, pois necessitava falar comigo. Fui.

Em lá chegando, já me esperava no terraço de um hotel de baixa categoria. Fiquei desconfiado, mas cumprimentei-o, e nos sentamos numa das mesas para conversar.

Procurei lê-lo. Trajava uma roupa meio de malandro, portava uma agenda e tinha uma cara de esperto. Falava um inglês perfeito com sotaque que me pareceu jamaicano ou caribenho. Apresentou-se como um dos diretores de uma Missão Evangélica interdenominacional estabelecida na Guiana, cujo propósito era ajudar igrejas na região do Caribe e Norte da América do Sul. Disse-me ter vindo ao Brasil para visitar igrejas no Amazonas, Ceará, Pernambuco e havia chegado à Bahia. Minha desconfiança aumentou, porque que teriam os estados do Nordeste com a organização que se propunha a ajudar estados do Norte? Relatou-me, ainda, que sua Missão enviara cerca de 25 mil dólares para ajudar uma igreja batista dissidente de Manaus. E ele descobrira que o pastor (bem conhecido do Brasil evangélico) havia comprado um automóvel Omega, da GM, topo de linha na época.

Viera ao Ceará, passara por Pernambuco, e na viagem de ônibus do Recife a Salvador fora furtado. Levaram todos os seus documentos e mais 23 mil dólares. Minha desconfiança já estava no limite, e eu me perguntava porque alguém que carregava tanto dinheiro não viera de avião (cinqüenta minutos de viagem, apenas).

A agenda era aberta de vez em quando. No entanto, ele a colocava de tal modo que eu não podia ler o que estava escrito. Finalmente, percebi que a agenda era em português. Estranhei. Podia ter sido, porém, um presente de algum brasileiro, quem sabe. Engoli essa.

Aí veio o golpe. Disse-me que ligara para o pai, que ficara de lhe enviar dinheiro. Como não tinha qualquer documento, pedia-me que lhe dissesse o Banco, Agência e Número da minha conta para que o dinheiro fosse transferido para ela. Quando a importância chegasse, eu iria com ele ao banco, sacaríamos o dinheiro, descontaríamos as despesas, ele daria uma oferta à igreja, e levaria o restante do dinheiro. É natural que não fiz o que pedia.

Voltando à casa, liguei para um irmão da igreja, que é delegado de polícia, que se comunicou com a titular da Delegacia especializada em Turismo, a qual enviou dois agentes policiais ao hotel. O "missionário" já era procurado pela polícia.

CASO 3: O PETROLEIRO

Cerca de três ou quatro meses depois deste incidente, recebo um telefonema de um pastor de uma igreja congregacional em Juazeiro (BA). Disse-me que havia aparecido na sua igreja um moço angolano, que dizia trabalhar numa plataforma da Petrobrás, e afirmava ser noivo de uma jovem da igreja que pastoreio, a Igreja Batista Sião. O moço "petroleiro" precisava de ajuda.

Disse o pastor que ele fora roubado na viagem de Salvador a Juazeiro, mas já havia se comunicado com os colegas do escritório, que lhe enviariam dinheiro. Como não tinha documentos... E nesse ponto, repetiu-se toda a história acima.

O pastor queria confirmar se ele era de confiança, suposto noivo de uma suposta ovelha, e se podia fornecer-lhe a própria conta bancária para a remessa dos fundos.

Contei ao pastor o acontecido comigo, a coincidência do incidente e da solução proposta. A descrição do tipo físico encaixava na mesma personagem da minha história. Disse ao pastor que chamasse a polícia.

CASO 4: O "RECIFENSE"

Esse foi também em Sião. Apareceu-me no horário da Escola Bíblica um homem que disse ser do Recife. Seu sotaque era acentuadamente do Sudeste, carioca com quase 100% de certeza.

Sem dizer que sou procedente da capital pernambucana, perguntei-lhe de que igreja era membro. Respondeu que da Igreja Batista da Mangueira (existe, é verdade, o bairro da Mangueira naquela cidade, mas não igreja com esse nome). "Quem é o pastor da igreja?" "Pastor Oliveira", respondeu (o pastor da igreja que fica na Mangueira não tem esse nome). Dava para ler que era trambique.

Disse-lhe que conversaríamos depois do Culto, e pedi a um irmão muito leal ao pastor e à igreja que cuidasse dele.

Daí a sete ou oito minutos, volta o irmão. "Cadê o homem?", perguntei. "Deixei-o na Classe Gideão. Se ele se meter a besta, tem oitenta homens lá..." Enfatizou o zeloso ordenança.

Após o Culto, o "Recifense" me procurou:
- "Então, vai me ajudar com a passagem?"
- "Meu amigo", disse-lhe, "estive pensando nas suas informações, e nunca ouvi falar na igreja que você mencionou, nem no pastor"
- "E o senhor conhece Rêcífe"

(Isso já me deixou ainda mais desconfiado, pois os recifenses se referem a "o Recife, do Recife, no Recife para o Recife", e alguns capricham na pronúncia "Ricífi" (como sou recifense, não estou ofendendo nem ridicularizando as variações regionais).

- "Conheço perfeitamente, pois lá eu nasci, fui crado, estudei, casei, pastoreei e ensinei".
- "Está me chamando me mentoroso?"
- "De modo algum; estou dizendo que não conheço essa igreja e esse pastor".

Foi embora, mas teve que assistir à EBD e ao Culto.

Pois é. "Acautelai-vos que ninguém vos engane", alertou Jesus Cristo. Nada custa ser "prudentes como as serpentes", guardando a simplicidade das pombas (Mt 10.16).

[O autor apreciará receber outros relatos de casos semelhantes.
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Walter Santos Baptista, Pastor da Igreja Batista Sião em Salvador, BA
E-Mail: wsbaptista@uol.com.br

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