Ética e Liderança Cristã: A síndrome de Elias

quarta-feira, 6 de março de 2013

A síndrome de Elias


De todos os grandes homens da Bíblia Sagrada, principalmente no Antigo Testamento, à exceção de Moisés, talvez nenhum outro tenha assombrado tanto seus contemporâneos como Elias. Sempre torci o nariz para Tiago que diz que Elias foi um homem como nós. Como assim como nós? Elias não morreu, ora bolas, e eu a que tudo indica irei para o buraco chamado túmulo como todos. Deus nunca respondeu minhas orações com fogo e nunca abriu um rio para eu passar. E por mais atlético que eu possa me tornar jamais ganharei de cavalos escolhidos como ele.
Porém, o que Tiago dizia não era sobre os feitos espetaculares da vida de Elias e como podemos ter os mesmos “poderes” que ele. Isto porque Tiago sabia muito bem que o poder é de Deus e não de Elias ou de qualquer outro homem. Tiago falava, sim, do ser humano Elias.

O ser humano
Analisando a vida do ser humano Elias desde o princípio, aprendemos principalmente que ele não tem muitas referências pessoais, senão vejamos: “Então, Elias, o tesbita, dos moradores de Gileade...“. Geralmente, os grandes homens e mulheres da Bíblia têm seus nomes acompanhados por uma linhagem, o que chamo aqui de “pedigree”. Este não era o caso de Elias. Ele apareceu de repente no relato, sem nada que o recomendasse diante de Acabe, a não ser: "... Tão certo como vive o Senhor, Deus de Israel, perante cuja face estou...".
Deixe-me fazer um parêntesis: como isto contrasta com os que se dizem homens de Deus hoje em dia, que valorizam os títulos e advogam quanto tempo já estão “na obra” para justificar o seu direito de falar em nome de Deus. Desfilam seu poder em ternos bem cortados e carrões, levantando a voz e impondo as mãos sobre os pobres mortais, dizendo: “receba a unção, meu irmão!”.
Existe uma outra característica na vida de Elias que não seria muito bem recebida hoje. Parecia haver nele uma falta de senso crítico, veja novamente: “Retira-te daqui, vai para o lado oriental e esconde-te junto à torrente de Querite, fronteira ao Jordão”. Logo agora que ele havia colocado o rei ímpio no seu devido lugar, Deus o manda para os “cafundós do Judas”. Querite ficava do outro lado do Jordão, no deserto. Isto, segundo muitos comentaristas bíblicos, não pareceria muito racional. O racional é que ele ficasse ali, espetando o rei. Mas Elias nem sequer discute, ruma para Querite e fica lá. Deus tinha falado e ponto.
Outro parêntesis: Todos nós, cristãos sérios, sabemos muito bem que a Bíblia é a Palavra de Deus, a verdade revelada para o ser humano. Porém, assusta-me muito ver o quanto se tem torcido a Palavra de Deus para benefício próprio, para conveniências pessoais e denominacionais. O quanto se tem desobedecido e discutido o que a Palavra tem como indiscutível. Mesmo quando Deus manda Elias para Sarepta que se localizava em Sidom, Terra de Baal e de Jezabel - sua pior inimiga -, Elias não discute. Ele reconhece claramente o Espírito Santo de Deus falando e obedece. Isto porque Elias estava cheio do Espírito Santo de Deus. Crentes cheios do Espírito são capazes de compreender claramente as Sagradas Escrituras e reconhecer quando ela está sendo manipulada por falsos mestres. Portanto, “... enchei-vos do Espírito...”, continua sendo a melhor recomendação, para que, ao ouvirmos a voz do Santo Espírito, a reconheçamos sem titubear.

A síndrome
Tendo chegado até aqui, cabe-nos analisar agora a tal “síndrome” que ocorre a partir de um dos pontos mais altos da vida de Elias, a saber, o confronto no Carmelo com os profetas de Baal, o desafio de fogo e o retorno da chuva após três longos anos. Após ter se mostrado obediente e paciente, Elias, mais uma vez movimentado pelo Espírito Santo de Deus, marca o encontro fatal (para os profetas de Baal) e anuncia o final da seca. Coloque-se em sua pele, pois é aqui em que mais nos identificamos com ele.
Grandes feitos. Quem não anseia por eles? O mais humilde crente na Terra almeja fazer grandes coisas por seu Senhor, não é assim? Desafiar os poderes da maldade, grandes campanhas evangelísticas... Atualmente, existem até aqueles que declaram que mega-cidades inteiras como São Paulo e Rio de Janeiro “pertencem” ao Senhor Jesus. Compreendo até as boas intenções destes últimos, mas sabemos que não é bem assim. Elias também descobre isto no cume do Carmelo, ele faz uma pergunta simples e...” Até quando coxeareis entre dois pensamentos? Se o Senhor é Deus, segui-o; se é Baal, segui-o. Porém o povo nada lhe respondeu.” Pois é, silêncio. Talvez Elias achasse que pelos menos uma voz dissesse: Amém! Nada... só o vento.
Aqui começa o tropeço de Elias que vai levá-lo a seguinte oração, que aliás, foi única que ele fez que Deus não respondeu: “...Basta; toma agora, ó Senhor, a minha alma, pois não sou melhor do que meus pais.” Elias se sente sozinho, humanamente falando. Só. Este é um dos piores sentimentos que um servo de Deus pode sentir - a terrível sensação de que está malhando ferro frio, dando “murro em ponta de faca”.
De fato, Elias estava só. Após ter feito tudo como Deus sempre mandara, após ter desafiado a maldade, após ter se colocado na presença de Deus incondicionalmente, Elias estava só, não havia um amigo sequer. Quando isto acontece, quando falta um ombro amigo, tornamo-nos circunspectos, quase mórbidos. Como Elias, dizemos: “leva-me, Senhor”, “não entendem os seus caminhos”, “não querem nada contigo”, etc. Passamos a achar que somos os únicos que se importam de verdade com a “causa”. Isto é um peso que ninguém pode carregar sozinho, não é de se admirar que Elias queria a morte.
“Tenho sido em extremo zeloso pelo Senhor, Deus dos Exércitos, porque os filhos de Israel deixaram a tua aliança, derribaram os teus altares e mataram os teus profetas à espada; e eu fiquei só...” Anos a fio trabalhando na “causa”, esquecendo-se de relacionamentos sinceros, levam-nos a queixas como a dele. Não é de se admirar que os crentes mais ativos e criativos sejam, muitas vezes, os mais carrancudos e intolerantes. No fundo estão sozinhos, não porque não existam outros lutando na “causa” e sim porque estão isolados. Não são capazes de enxergar os “...sete mil, todos os joelhos que não se dobraram a Baal, e toda boca que o não beijou”, os quais Deus conservou para levar avante os seus desígnios.
Tal qual aconteceu com Elias, algumas vezes acontece o mesmo comigo e mesmo com você. No ponto mais alto, no calor da obra, somos atacados pela síndrome de Elias, e achamos que não adiantou nada, por mais que lutemos nada mudou. Elias achou isto quando Jezabel ameaçou caçá-lo até a morte. No ponto mais alto é que estamos mais vulneráveis. Basta um leve empurrão, quanto mais o solavanco que deu Jezabel.

Como se evita esta síndrome?
Veja o que receita para o doente Elias o Deus Todo-Poderoso: “Eliseu, filho de Safate, de Abel-Meolá, ungirás profeta em teu lugar”, muito mais do que um substituto, Eliseu foi para Elias o amigo que nunca teve, o amparo, o ombro amigo que sempre necessitou. Esta receita continua valendo para mim e para você, valeu para Paulo também - “Procura vir ter comigo depressa.”, disse ele para Timóteo. Tão importante como o relacionamento vertical (com Deus) é o relacionamento horizontal (com o próximo). Esquecer disto é abrir a porta para o fracasso pessoal, muito embora, à vista de todos, você seja o grande homem ou mulher de Deus.
Fiquemos alertas, sempre haverá os tais sete mil, ou muito mais.

Reprodução Autorizada desde que mantida a integridade dos textos, mencionado o autor e o site www.institutojetro.com

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